No blog Na Rede, da jornalista Ana Diniz
Ele é o legítimo representante de alguns milhões de brasileiros. Talvez nem dos que votaram nele, mas dos milhões de brasileiros semianalfabetos, ou, na linguagem politicamente correta atual, analfabetos funcionais.
Lembra-me o cacique Juruna, eleito pelo Rio de Janeiro politizado, para ser o primeiro índio no Congresso Nacional – seus representados eram os índios, que não votavam; então o Rio de Janeiro cedeu uma vaga para eles. Juruna andava com um gravador pendurado no pescoço para testemunhar suas audiências. Sua presença no Congresso – determinou uma alteração substancial na política indigenista. Principalmente porque os índios passaram a ser vistos pela população: aquelas imagens exóticas das revistas foram aos poucos substituídas pelas imagens dramáticas e contemporâneas. Ele conseguiu apoio suficiente no Congresso para trazer para as mesas de negociação a questão das terras indígenas.
Era um só índio, eleito por não-índios, cumpriu um só mandato e fez enorme diferença até ser politicamente devorado.
Se Tiririca vai fazer ou não diferença, não sei. Mas ele é um homem que batalha a vida, igual a milhões de outros espalhados pelo Brasil, que não votaram nele mas que vivem o drama das poucas letras.
Eu vi a cartilha que ele distribuiu, e gostei. Simples, fácil, pobre, direta e decente. Se essa vai ser sua marca, ótimo: o elitista Mercadante, que mandou tirar seu nome da propaganda dele, terá que enfrentá-lo.
Se o alcançasse, diria a Tiririca que marque o seu mandato em algumas coisas essenciais para esse povo de analfabetos funcionais: sinalização gráfica, por exemplo, nos transportes públicos (é terrível a dificuldade que um analfabeto desses tem para pegar um ônibus); prioridade para o combate ao analfabetismo, hoje chamado sofisticadamente de Programa EJA (Educação de Jovens e Adultos), relegado a segundo plano governo após governo; mídia de rádio em massa para prevenção de doenças; e muitas outras coisas pelas quais lutar. E mais: contrate um tradutor de vernáculo, ou seja, uma pessoa capaz de lhe explicar a complicada linguagem burocrática.
Como não o alcanço, limito-me a desejar-lhe sorte melhor que a do Juruna que, ao perder a eleição, perdeu também a tribo e ficou num desvão entre a floresta e a cidade, numa velhice miserável até morrer. É extremamente difícil o combate com armas desiguais, e nem sempre se tem a pontaria de um Davi, que derrubou Golias com uma pedrada (mas que teve que usar a espada do gigante para matá-lo, ou seja: teve que armar-se no padrão do outro). Não ler fluentemente, e escrever com dificuldade é como enfrentar espadachins com uma atiradeira na mão.
Por outro lado, espadachins podem ser detidos pela sabedoria, mesmo que esta use pedras. Os romanos aprenderam isso da forma mais dura e literal, na guerra contra Cartago, de onde o sábio Arquimedes lhes atirava pedras com tanta sabedoria que afundava as galeras antes que chegassem ao porto. Mas era Arquimedes, não era Tiririca: este terá que se ater com a sabedoria comum que, se nos deu Carolina Maria de Jesus (“Quarto de Despejo”) e Cartola, ainda não nos mostrou ninguém capaz de escalar as muralhas do sistema sem a escada do alfabeto.
Não estranhem, meus amigos, estas linhas. Eu não tenho vergonha de ter o Tiririca no Congresso: ele é um pedaço grande do Brasil. Tenho vergonha é da existência desse pedaço, de seu tamanho e da nossa incompetência em fazer com que renasça na leitura.
Parabéns pelo texto afinal de contas não devemos julgar ninguém por não possuir alguma qualidade técnica ou não,e sim devemos dar oportunidade para adquiri-la,se não vejamos o que seria da humanidade se os grandes homens e mulheres tivessem sido barrados em sua trajetória,devemos deixar de sermos egoísta e infalíveis,todos tem direito a um lugar no sol...minha querida e amada avó era analfabeta mas com toda certeza com a sua personalidade e seu carater era mil vezes melhor que qualquer político.
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