segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Jornalista é só jornalista. Não é herói. Nem celebridade.

Tudo muito bom, tudo muito bem.
Jornalista vive de notícia.
Ela é a matéria-prima de qualquer jornalista.
Jornalista que não gosta de notícia é como torcedor que não gosta de gol.
É impossível encontrar-se um torcedor que não goste de gol.
É impossível, portanto, jornalista ser jornalista se não gostar de notícia.
Buscar notícias significa, muito frequentemente, enfrentar riscos.
Não raro, riscos graves.
Gravíssimos.
É o que acontece com coleguinhas que cobrem essa guerra no Rio.
Estão expostos a riscos de toda ordem.
Estão perto dos tiros, ainda que em tese - apenas em tese - protegidos contra eles.
Coleguinhas que fazem a cobertura ao vivo, sobretudo pela televisão, das batalhas dessa guerra demonstram uma natural ansiedade muito grande quando transmitem as informações.
Nota-se pela voz deles - e delas - que estão tensos, nervosos.
Estão com a adrenalina a mil.
Isso é bom. Isso é jornalismo.
Enfrentar certos riscos para buscar a notícia é algo prazeroso para jornalistas.
Mas tudo tem limites.
Em tudo devem ser adotadas precauções.
Inclusive quando jornalistas estão à caça de notícias.
Ontem, um repórter, microfone em punho, corria atrás de um tanque durante a invasão do Complexo do Alemão.
Enquanto o tanque entrava nas vielas, com o repórter atrás, ouviam-se tiros.
Muitos tiros.
Muitíssimos.
O repórter, esbaforido e com a voz trêmula, fazia o relato do que via.
E o mais impressionante: nenhum militar - nem da polícia, nem do Exército, nem da Marinha, nem da Aeronáutica, nem das Forças Armadas de Pasárgada - se dignou ordenar ao cara, ao jornalista, para que saísse de onde estava.
Ninguém, entre os militares, mandou que fosse exercer o seu jornalismo em lugar de menores riscos.
E isso precisava ser feito, porque o jornalista, o cara, poderia levar um tiro no meio da cara e morrer.
Morto, perderia a sua notícia e viraria ele mesmo notícia.
E jornalistas, vocês sabem, não devem ser notícia.
Nunca.
Mas não é o que se vê hoje, infelizmente.
Há coleguinhas - muitíssimos - que não gostam muito de produzir a notícia.
Mas adoram ser eles próprios a notícia.
Sentem nisso um prazer quase orgástico.
Não perdem a chance de ser as estrelas da ocasião. De todas as ocasiões.
Jornalistas que tais se tornam mais arrogantes do que a arrogância que se permite a jornalistas.
Eles - e elas -, investidos na condição de celebridades, se acham os caras - ou as caras.
Ótimo!
Isso é ótimo!
Pra eles, os coleguinhas que adoram a notoriedade, é ótimo!
Mas não é bom para a notícia.
Não é bom para o jornalismo.
Não é bom para a necessária reserva que jornalistas devem preservar e cultivar, para evitar que virem celebridades, que virem heróis.
Jornalistas, pelo bem do jornalismo, deveriam sempre sentar nas últimas cadeiras.
É de lá que eles podem ver melhor e não ser vistos.
Devem sempre ficar pelos cantos, meio às esconsas, meio às escondidas - mas nem tanto.
Se não forem percebidos, aqueles a quem ele observa farão coisas, falarão coisas que não fariam e nem falariam se soubessem que estão sendo vistos por jornalistas.
Jornalistas não devem ficar bem na foto.
Nem bem, nem mal.
A foto deve ser sempre a daqueles que são notícia.
Claúdio Augusto de Sá Leal foi um dos maiores jornalistas do Pará em todos os tempos.
Se alguns o considerarem o maior, não estarão correndo tanto risco de errar.
Na mestria - e com a maestria - de seu ofício, formou gerações de jornalistas.
Foi diretor redator-chefe de O LIBERAL durante a maior parte de sua carreira.
Quando havia eventos em que era chamado a participar - e aos quais só comparecia quando era praticamente convocado -, logo depois, feitas as fotos, inclusive dele próprio, Leal mandava buscar no laboratório do jornal os rolos de negativos.
Guardava com ele todas as fotos suas que haviam sido tiradas.
Não deixava que nenhuma fosse publicada.
Raríssimas - contadas nos dedos mesmo - foram as vezes em que uma foto sua foi publicada no jornal.
Quando faleceu, foi um trabalhão para a redação encontrar, em seus próprios arquivos, fotos dele para publicar.
Quase não foram encontradas.
Foi preciso recorrer a arquivos de terceiros para obtê-las.
Esse era o Leal.
Esse era o jornalista.
Essa é a dose de reserva necessária para se fazer jornalismo
Porque, acreditem, jornalista é apenas um jornalista.
E não é herói.
Com certeza, não é.
Ou pelo menos não deve ser.
Mas nem todos os coleguinhas acham isso.
Por isso é que saem correndo atrás de tanques em plena guerra.
Por isso é que muitos - não todos, é claro - se expõem mais do que qualquer celebridade.
É assim.

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