segunda-feira, 8 de novembro de 2010

As contas da imprevidência


Para os Estados Unidos, setembro é o mês das datas malditas. Depois de relembrar os ataques às torres gêmeas de Nova York, em 2001, os EUA trazem à memória a quebra do banco Lehman Brothers, há dois anos. A maior parte da discussão sobre a crise financeira se concentra em uma pergunta que não quer calar: a queda do Lehman poderia ter sido evitada? Para muitos, esse foi o erro que detonou a crise. Outros, provavelmente, acreditam que o Lehman foi o fator precipitante, mas não decisivo.
Nunca vamos saber o que teria acontecido se o Lehman não tivesse falido. Mas podemos ter uma certeza razoável de que, sem seu colapso, teria sido impossível provocar o choque no sistema político para que ele agisse. No mês que se seguiu à queda, o governo americano tomou uma série de atitudes de grande porte para restaurar a estabilidade do sistema financeiro. E está claro que essas ações salvaram a economia americana - e, assim, a global - do colapso.
Depois da queda do Lehman, o crédito ficou congelado na economia americana. Os bancos pararam de emprestar. As pessoas não conseguiam empréstimos ao consumidor. Empresas não conseguiam empréstimos de curto prazo para cobrir a folha de pagamentos. As taxas de desemprego chegaram a níveis nunca pensado nos EUA. O patrimônio líquido dos lares americanos caiu a taxas sem precedentes. Os números do resto do mundo não eram muito melhores.
Dia desses, ainda como consequência desse cenário, aconteceu o que era previsível. O triunfo republicano nas eleições legislativas traz o desafio de lidar com uma massa de descontentes, refletida no movimento Tea Party (Festa do Chá), o estridente movimento da direita americana contra o presidente Barack Obama. Esse movimento conservador está representado por gente como Sarah Palin, a ex-candidata à vice-presidente pelo Partido Republicano; Glenn Beck, o radialista e apresentador de tevê que atribui influências maléficas ao presidente Obama; o magnata David Koch é a face discreta e poderosa da direita por trás do Tea Party, mas que também é acusado de defender uma supremacia branca.
Obama protagoniza a pior derrota de um presidente nos últimos 50 anos. Todas as projeções dão conta de que o Partido Republicano, de onde emergiu o Tea Party, vai partir com ferocidade e tomar conta do controle da Câmara dos Deputados, do Senado e da maioria dos governadores. Com isso, deverá dificultar ao máximo a aprovação de projetos vindos da Casa Branca. As razões para provável revés democrata são o desemprego (algo estimado em torno de 9,6%, muito alto para os padrões americanos) e pelo efeito de que o governo está interferindo demais na vida das pessoas para conter a crise.
Em termos absolutos, o alcance do Tea Party é pequeno (o nome vem dos protestos de colonos descontentes contra a então metrópole britânica em 1773, simbolizada pela taxação abusiva da produção de chá). Mesmo assim, nenhum político americano tem desprezado o poder do Tea Party de capitalizar a insatisfação do eleitorado.
As eleições legislativas costumam servir como termômetro da gestão do presidente - não à toa são chamadas de midterm, por ocorrerem na metade do mandato presidencial. De qualquer forma, fica o alerta para os democratas. O americano tem aversão a arrumar recursos para salvar bancos. As pessoas detestam pagar as contas da imprevidência de outras pessoas e abominam ter que fazer isso para gente abastada.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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