domingo, 3 de outubro de 2010

Poder, moral pública, Maquiavel e marketing.


Na década de 1970, a música "Este é um País que vai pra frente" foi lançada para sustentar o golpe militar de 1964. Para recordá-la acesse o link http://www.youtube.com/watch?v=VITtfvWM-mg&feature=youtu.be.
Na época, apesar de vigorar o autoritarismo e uma crescente desigualdade social, a letra simples e a melodia harmoniosa da música causavam a impressão de que vivíamos no país das maravilhas.
A situação, hoje, não é diferente. No lugar da canção, convivemos com o lema "Brasil, um País de Todos", que embora não tenha nascido sob a sombra e proteção do fuzil revela tímida proposta política. Quem faz trabalhos filantrópicos, assistenciais ou caritativos compreende bem a afirmativa.
Ao longo do tempo, o contrato formado pelo povo brasileiro com as culturas patrimonialista e clientelista (pactuado, principalmente, pelo egoísmo geral) cedeu espaço para que fossem alojados no poder agentes políticos irresponsáveis.
Porém, não podemos esquecer que chegaram ao poder pelo voto direto (caso do Executivo e do Legislativo) e se lá permanecem é porque culturalmente praticamos a condescendência, ou seja, o ato de ceder ou transigir em qualquer coisa por interesse, lisonja, complacência, bondade, temor ou fraqueza.
De regra, esses políticos irresponsáveis perderam a lembrança de que o poder lhes foi outorgado pelo povo, em nome de quem deveria ser exercido (ao menos é o que determina a Constituição brasileira).
Indagados sobre as cores da Bandeira Nacional, são capazes de recordar, unicamente, do amarelo (riqueza, ouro).
Esquecidos da expressão "Ordem e Progresso", entendem que as leis e os demais deveres somente devem ter efetividade em relação aos outros, do mesmo modo como atuavam os fariseus.
Beneficiados por interpretações judiciais oportunistas, o direito sempre lhes pertence.
Acostumados a administrar recursos alheios sem o mínimo de planejamento, pensam que o dinheiro público é recurso inesgotável para cobrir seus inúmeros desacertos.
Familiarizados com o poder e submetidos a ofertas externas em razão dos cargos, geralmente cedem pela certeza da impunidade.
O fato de a verdadeira democracia não dispensar socorro às minorias é, para eles, algo imaterial, impensável.
Contudo, além de nossa condescendência perpetuam-se na vida pública pela ausência propositada de mecanismos rápidos a afastá-los.
Generalizar, nunca! Contudo, a regra atual é pelo menosprezo da coisa pública, quase sempre misturada com interesses menores, pessoais e inconfessáveis dessa gente.
Referir-se assim aos portadores do poder não é despeito. Trata-se apenas de indignação porque de suas ações ou omissões resultam descrédito das instituições e, pior, desesperança.
Saber quem são e deixar de votar neles deveria ser tarefa de procura diária na vida nacional.
Ao comentar sobre as dificuldades de manter Estados herdados, cujos súditos estariam habituados a uma família reinante, Maquiavel aconselhava ao príncipe "evitar transgredir os costumes tradicionais e saber adaptar-se as circunstâncias imprevistas". Que absurdo!
Entretanto, é momento de mudar costumes e deixar de lado os conselhos de Maquiavel, para quem os fins justificavam os meios, o governante não precisava ter todas as boas qualidades (somente aparentar possuí-las) e deveria ser pródigo quando não tratasse com a própria posse (perdulário com os recursos alheios).
A oportunidade chegou, mas nada novo será obtido se a opção for por manter a cultura (hábito) de abençoar a prática eleitoreira de votar segundo conveniências.
Até o momento, as músicas, as letras, os lemas harmoniosos e Maquiavel tiveram conteúdos de marketing persuasivos apenas para fazer o patrocinador alcançar ou se manter no poder, feito somente para servi-los.
Temos a impressão de que a necessidade (ao menos a material) dos brasileiros não diminuirá enquanto sobrar na vida pública um único usurpador do poder.
Na hora de votar lembre-se que decidir o destino de terceiros (o nosso) aproxima os políticos (os príncipes) dos deuses, a Maquiavel e ao marketing político e, em muitos casos, a depender do candidato os distancia do primeiro mandamento da moral pública, que segundo o saudoso Ulysses Guimarães é "não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube..." (sic).

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ROBERTO DA PAIXÃO Júnior é bacharel em Direito

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