segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Lei Ficha Limpa é inconstitucional de cabo a rabo

Por MARCOS COUTINHO LOBO, advogado eleitoral

Em voga no território nacional, de forma exacerbada e irracional, a pregação de profissão de fé em favor dos efeitos “purificadores” da Nação provocados pela Lei Ficha Limpa, a Lei Complementar 135/2010, que criou hipóteses de inelegibilidade para a Justiça Eleitoral negar registro de candidatura de cidadãos que sofreram condenação sem trânsito em julgado, dentre outros malabarismos “legais” retrógrados.
Tenho convicção de que a inconstitucionalidade da Lei Complementar 135/2010 é de cabo a rabo.
E tenho obrigação, como cidadão, como brasileiro, de sustentar a inconstitucionalidade, bem como por convicção de advogado, por que é obrigação do advogado defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos (art. 2°., caput e §§ 1°. e 2°.; §§ 1°. E 2°. do art. 31; inciso I do art. 44, todos do Estatuto da OAB – Lei 8.906/94 e Código de Ética da OAB).
A Lei Complementar 135/2010, denominada Lei Ficha Limpa, é desprovida de juridicidade em cotejo com a Constituição da República.
Fruto de um pseudo apelo popular, cuida-se de casuísmo que nada mais é do que uma escancarada afronta à ordem jurídica constitucional vigente, a implicar numa espécie de “(...) justiçamento, sem justiça e Justiça, que encontra também na precipitação uma das mais repugnantes formas de macular reputações, de contrariar o ordenamento jurídico, de colaborar com a barbárie.”, avalia ADRIANO SOARES DA COSTA (in http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com).
É o mesmo doutrinador que assevera que a Lei Ficha Limpa implica na “(...) relativização dos direitos e garantias individuais. Garantias conquistadas pela cultura ocidental, como o devido processo legal, o pleno exercício do direito de defesa, a irretroatividade de leis punitivas (...)” e que a lei é um “(...) atendimento à opinião pública, o justiçamento a qualquer custo, como nos lembra o volksgeist (espírito do povo) dos alemães, tão caro à ideologia nazista.”.
A Lei Ficha Limpa, a bem da verdade, nada mais é que a institucionalização da tese da vida pregressa que o egrégio Supremo Tribunal Federal, na ADF 144, rechaçou veementemente. É uma tentativa, espero que vã, de contornar decisão do STF.
À época, nos idos de 2008, o subscritor desse artigo manifestou, em defesas várias na Justiça Eleitoral e artigo publicado na internet, entendimento que não se alterou, pois, como dito, a Lei da Ficha Limpa é apenas a formalização da tese vida pregressa.
O ministro Eros Grau, no egrégio TSE, em consonância com a tese do ministro Ari Pargendler, evocou os princípios da presunção de inocência ou da não-culpabilidade para dizer da injuridicidade da tese da vida pregressa.
Uma das alegações de defesa da Lei Ficha Limpa é que o princípio do in dubio pro reu se aplica apenas aos processos criminais. Não obstante, também para defender a Lei, evoca-se o princípio in dúbio pro societa, princípio este que precisamente é utilizado nos processos criminais. É a teratologia manifesta, associada a muita contradição.
A Lei Ficha Limpa não encontra apoio numa simples interpretação lógico-sistemática do texto constitucional.
A Lei Ficha Limpa é o exemplo mais acabado de desprezo que já vi pelos fundamentos, objetivos fundamentais e direitos e garantias fundamentais da Constituição da República.
É fácil constatar que as hipóteses de inelegibilidade inventadas pela Lei Ficha Limpa (v.g., simples existência de processos de improbidade e criminais ainda não transitados em julgado, alcançar situações jurídicas já consolidadas etc.), todas a impedir a elegibilidade do cidadão, não se adequam aos preceitos constitucionais que ditam que a República Federativa do Brasil foi instituída para assegurar justiça (Preâmbulo); que é um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a cidadania, dignidade da pessoa humana, que todo poder emana no povo (art. 1°., caput, II, III e V, e parágrafo único); que tem como um dos objetivos fundamentais não admitir qualquer forma de discriminação (art. 3°., IV); que adota como princípio a prevalência dos direitos humanos (art. 4°., II).

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2 comentários:

  1. Curioso nessa discussão é que só os profissionais que trabalham para os candidatos (como é o caso do autor do texto)defendem a inconstitucionalidade da ficha limpa.

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  2. Não são só eles não.
    Os que acham que os fins não justificam os maios, também.
    Do contrário, melhor dar a mão a maquiavel.

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