sexta-feira, 9 de julho de 2010

O que esperar do Fisco e dos políticos?

CHARLES ALCANTARA

Não há enigmas ou armadilhas semânticas a confundir tão cristalina reza constitucional. Lá na Carta Magna, com todas as letras, no artigo 37, inciso XXII, está escrito que as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios são atividades essenciais ao funcionamento do Estado, serão exercidas por servidores de carreiras específicas e terão recursos prioritários para a realização de suas atividades.
Ao adjetivar a administração tributária como essencial ao funcionamento do Estado, o legislador constituinte não quis deixar margem para quaisquer desvios interpretativos: a administração tributária é indispensável à sobrevivência do Estado, ou seja, não há este sem aquela.
E para cumprir o fim a que destina e que lhe confere sentido, que é o de promover o bem comum e a plena cidadania, o Estado precisa de recursos.
Pra quê – e a quem - serve o Fisco, afinal?
O Fisco tem a nobilíssima missão de fazer com que os tributos (impostos, taxas e contribuições) pagos pela coletividade cheguem aos cofres públicos na exata medida e forma previstas em lei. Em contrapartida, o Estado tem o dever de investir cada centavo desses recursos, que são públicos, em políticas sociais que assegurem dignidade e bem-estar à coletividade.
É correto então afirmar-se que o Fisco serve ao Estado e à sociedade. E, partindo desse pressuposto, urge indagar: o que esperar do Fisco?
A sociedade, titular e destinatária do recurso público, espera e deve exigir que o Fisco e seus agentes atuem no estrito e escorreito cumprimento do dever legal; que tratem os contribuintes com urbanidade, respeito e isenção; que não submetam o interesse público ao interesse privado; que não se subordinem a ordens ilegais; que ajam com decoro, justiça e equilíbrio; que orientem suas condutas por princípios éticos.
E o que esperar dos governantes e políticos em relação ao Fisco?
Os bons políticos referendam a tese de que o fortalecimento do Fisco e a valorização dos seus agentes reforçam o ideal ético de justiça tributária e favorecem, simultaneamente: a sociedade, que tem mais garantias de que os tributos que pagam chegarão aos cofres públicos; os bons contribuintes, que passam a ser tratados com mais respeito e equidade; e os governos sérios e democráticos, que terão mais recursos para financiar as políticas públicas.
Os maus políticos, por outro lado – que fazem da atividade política um meio para satisfação de seus interesses privados ilegítimos – apostam no enfraquecimento e na desmoralização do Fisco e no favorecimento simultâneo: dos sonegadores contumazes, que financiam suas campanhas eleitorais em troca de favores públicos; e dos governantes que governam para perpetuar riqueza e poder para poucos e miséria para a maioria.
Dos bons políticos, a sociedade espera atitudes efetivas em favor da autonomia administrativa e financeira do Fisco e da independência funcional dos seus agentes. Dos maus políticos, nada a esperar além da persistência na deletéria interferência política no Fisco.
O que a sociedade ganha com a autonomia do Fisco e a independência funcional dos seus agentes?
A baixa independência financeira, técnica e funcional do Fisco deixa este a mercê das pressões e dos interesses de grupos econômicos financiadores de campanhas eleitorais.
A troca de “favores” entre os sucessivos governos e os financiadores de campanhas eleitorais fez surgir, no Pará, uma casta de grandes e notórios contribuintes que, sistematicamente, deixam de ter a sua escrituração e recolhimentos submetidos à auditoria fiscal anual, em razão de “ordens superiores” transmitidas oralmente por agentes políticos no exercício de funções que deveriam ser exclusivas de servidores de carreira.
O efeito mais perverso desses “favores” é a decadência dos créditos tributários que porventura deixaram de ser recolhidos (sonegados) aos cofres públicos, embora pagos pelo consumidor.
Uma pequena parte do dinheiro sonegado retorna para o financiamento de campanhas eleitorais diversas, em valores também diversos, a depender dos prognósticos eleitorais e do nível de cumplicidade e afinidade entre doador e donatário, isto quando o doador de outrora não se torna, ele próprio, o candidato. A maior parte, é claro, incorpora-se ao patrimônio pessoal do sonegador e, eventualmente, do próprio agente político que patrocina a “proteção”.
Quanto maior a ingerência política no Fisco maior a injustiça tributária; maior o arbítrio; maior o clientelismo; maior o patrimonialismo; maior a corrupção e a sonegação. Isto é incontroverso.
Por outro lado, quanto mais protegido o Fisco estiver da ingerência política e mais prestigiada a índole estatal de suas atividades mais próximo estar-se-á da plena cidadania; da justiça tributária e da possibilidade de redução da carga tributária pela via da eficiência na fiscalização e arrecadação.
Qual a importância da Lei Orgânica do Fisco?
Afirmar o princípio de que o Fisco serve ao Estado e à sociedade - e não aos governos - e fundar o marco legal da autonomia do Fisco e da independência funcional dos seus agentes são os mais lídimos propósitos da Lei Orgânica do Fisco Estadual do Pará, cuja elaboração está a cargo de uma comissão representativa da Secretaria de Estado da Fazenda e dos servidores de carreira do Fisco Estadual.
A aprovação da Lei Orgânica, portanto, fortalece o Fisco, valoriza o servidor e protege o cidadão.
Dada a largada para a acirrada disputa eleitoral de 2010, os servidores de carreira do Fisco Estadual do Pará lançam-se em aberta e franca campanha pela aprovação da lei e os candidatos a cargos eletivos podem, com ela, qualificar a agenda política neste ano eleitoral sabendo que a Lei Orgânica do Fisco é boa para o Estado, mas é melhor, mesmo, para a sociedade.

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CHARLES ALCANTARA é presidente do Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco-PA).

Um comentário:

  1. Por que essa autonomia?

    Acaso algum fiscal foi demitido porque exerceu de acordo com a lei as suas funções?

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