sexta-feira, 4 de junho de 2010
O ópio do futebol
Karl Marx ganhou fama ao afirmar que a religião é o ópio do povo. Comparava organizações teístas ao efeito alucinógeno da droga extraída da papoula: produz sensações fictícias de realidade, distanciando cada vez mais seus praticantes do cotidiano nu e cru.
Essa afirmação marxista, não obstante toda a crítica que lhe recaia quanto ao elemento fé, não é de todo enganosa. Inclusive quanto à religião mesmo, em certos aspectos. E ganha novos destinatários em diferentes prismas sociais. O futebol é um deles, certamente.
A relação do povo brasileiro com o futebol pode variar desde uma equilibrada relação de entretenimento até situações que beiram ao delírio coletivo e fanatismo pessoal. Uma verdadeira religião. Cega fé. Onde não entra em campo uma lógica investigativa de seus verdadeiros valores e benefícios.
Salvos raríssimas exceções, ninguém escolhe o próprio time. Isso nasce com a pessoa. E, já nesse começo, o futebol aniquila toda noção de senso crítico, levando cada um a seguir uma opção cegamente. Nesse momento, o futebol supera a própria religião. Aqui, há conversões e reconversões. Ali, não. Isso impressiona.
Observando o comportamento de alguns torcedores, e também o aspecto coletivo, concluo que o futebol é a maior religião do Brasil, a única que tem a capacidade de aglutinar diferenças. Um verdadeiro ecumenismo, que não discute dogmas, princípios e enriquecimento de poucos. A fascinação de um gol só pode ser superada pela conquista de um campeonato, seja de quinto nível regional ou do topo internacional.
Acho incrível como o trabalho particular e privado de onze homens tem o poder de ser abarcado por uma nação inteira, disposta a chorar e rir, dependendo do resultado alcançado.
Friamente considerado, um jogo de futebol é a tentativa de onze homens empurrarem com o pé uma bola para o interior da trave de gol. Nada mais. Onze de cada lado, num vaivém que gasta ordinariamente uma hora e meia. Tempo precioso para os que dependem disso. Vital para quem não deseja levar a vida vendo a bola passar.
O futebol é o ópio na medida em que produz uma falsa realidade. De repente, o Brasil pode ganhar da França e da Suécia. Rápido. No chute. Isso é ótimo para políticos. Atende à moderna política do pão e circo, mais circo.
Na dialética marxista, a religião do futebol é ópio pelos seus efeitos inibidores da realidade. E também pela criação de um mundo que, embora pareça real, é 100% emotivo, sem corpo nem alma. Sem forma, sem o chão firme dos belos estádios.
Sem nenhuma falta de altruísmo, tenho afirmado publicamente que jamais torcerei por um time de futebol, embora já tenha feito. Só há uma exceção: torcerei pelo trabalho de um clube quando também este torcer por mim. No dia em que, olhando da janela do trabalho, contemplar um time de futebol empunhando faixas de apoio, nesse dia torço. Quando vir a euforia do grupo, gritando em coro "Rui, Rui, Rui, continue lutando porque estamos aqui contigo!", ótimo! Nesse dia eu mudo. Depois do expediente na repartição, irei a campo retribuir a força. Até lá, cada um fique em seu campo de trabalho. Gosto da realidade.
Aprendi com Deus a não empregar meu coração ao que não edifica. Emoções fugazes, como a do futebol, perturbam desnecessariamente alma e corpo. É sempre bom vivermos livres do ópio, seja qual for a embalagem.
Depois da Copa, muita gente vai ficar triste. No mínimo, a nação que aparentemente perder o jogo. É bom jogar no time de Deus. Ele nunca perde. Nele somos mais do que vencedores!
Rui Raiol é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)
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