quinta-feira, 22 de abril de 2010

O valor, as autoridades e as minorias


O jusfilósofo brasileiro Miguel Reale afirma que "o valor é o que vale."
Não sendo objeto (coisa real) ou ideal, a existência do valor no mundo jurídico brasileiro depende de materialização, geralmente feita por normas escritas.
Daí também a afirmação desse jurista no sentido de que o Direito é fato, valor e norma (teoria tridimensional). Mensuradas as consequências do fato (boas ou não), a sociedade lhe dá o valor que bem entender. Se resultar em norma, o acerto ou o erro da escolha será obedecido por todos, sob pena de instalar-se o caos.
Nesse contexto, cabe ao legislador a elaboração das normas. Ao administrador público incumbe a tarefa de executá-las dentro dos princípios constitucionalmente estabelecidos (moralidade, eficiência, etc.). Já ao juiz cabe julgar os fatos que lhe são colocados para apreciação por meio do processo e o que decidir terá valor normativo entre as partes (ou a todos, se for o caso).
Embora o magistrado não possa criar leis (ofensa ao princípio da separação dos Poderes), possui a função legislativa negativa: na eventual omissão de norma em relação ao fato apresentado deverá decidir de acordo com a analogia, com os costumes e com os princípios gerais de direito, atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum. Não há para o juiz um claro normativo. Nossa Constituição está impregnada de opções valorativas, consubstanciadas em normas que têm pouca ou nenhuma efetividade.
Percebemos isso quando lemos na Constituição da República que o salário-mínimo deve ser capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.
Também é notado quando determina que a saúde seja direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Igualmente ao dispor que a educação é direito de todos e dever do Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
É certo que existem diferentes tipos de eficácia em relação às normas constitucionais (plena, contida, restringível, etc.), não sendo, todas, autoaplicáveis. Não obstante, os governos são incansáveis em insistir na tese segundo a qual não é possível fazer tudo, minimizando a importância das normas criadas a partir do valor atribuído pela sociedade ao fato.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o Poder Judiciário pode determinar em bases excepcionais, nas situações de políticas públicas definidas pela própria Constituição, que estas sejam implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão importou no descumprimento dos encargos políticos que comprometem garantias e direitos assegurados na Carta Maior (princípio da reserva do possível).
Ocorre que em nome do princípio da razoabilidade o Judiciário tem suspendido a execução de decisões garantidoras de políticas públicas que importaram omissão dos governantes.
Portanto, se "valor é o que vale" por que as autoridades minimizam a importância das normas constitucionais criadas a partir do valor atribuído pela sociedade aos fatos? Talvez desconheçam que um verdadeiro Estado Democrático de Direito deve contemplar as minorias.

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ROBERTO DA PAIXÃO Júnior é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

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