No início da madrugada, o blog postou o testemunho excelente de um juiz que relata, circunstanciadamente, as suas rotinas no interior do Estado.
Pena, como disse o blog, que o comentário não tenha sido assinado.
Pois recebemos outro comentário.
Desta vez, assinado.
Um comentário verdadeiro.
Ponderado.
Quem o assina é o juiz do Trabalho Carlos Zahlouth, também ele blogueiro, timoneiro do blog Álibi.
Ele é magistrado há mais de 16 anos.
Mas não apresenta nenhum álibi para edulcorar, para mascarar situações.
Sabe que elas existem.
Sabem que a falta de estrutura propicia distorções.
Mesmo assim, Zahlouth pondera: “Para mim, a OAB deve parar de fazer esse espetáculo na mídia e as associações de juízes deixarem a ameaça de ações contra os advogados dirigentes ou qualquer tipo de retaliação.”
Acrescenta o magistrado: “Após mais de 16 anos na magistratura, ainda não tive a oportunidade de gozar por completo as férias, pois utilizo parte das mesmas para adiantar o serviço. Não me queixo, abracei a carreira por vontade e creio ser fundamental estar com o serviço em dia”, acrescenta.
Leiam abaixo.
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De um lado,temos que o juiz deve residir na Comarca e ser assíduo no expediente forense.
Temos a OAB-A fazendo blitz em Belém e nas Comarcas do interior para verificar se o juiz está ou não no Fórum.
De outro lado, a Amepa contesta tal procedimento e menciona que irá ajuizar ação contra a OAB.
Penso que o debate não é producente e creio que em nada irá contribuir para a melhora do Judiciário. Essa guerra pública não fortalece as instituições, e os parceiros para uma boa administração da justiça juízes/advogados se distanciam cada vez mais.
Convém lembrar que o juiz não tem horário de expediente, pois não é submetido a controle de horário e nem por isso pode se descuidar dos processos e do atendimento as partes e principalmente aos advogados. Devemos, sim, cobrar boa atuação dos magistrados, pois, como prestadores de revelante serviço público e exclusivo, devem dedicar todo seu tempo a esta missão, ora espinhosa, ora gratificante.
Creio que seria muito mais interessante para a Justiça adotarmos uma postura de diálogo e convergência, ao invés de se instaurar esse lamentável clima bélico.
Cabe à OAB denunciar o juiz que falta ao serviço, para isso têm as Corregedorias Regionais em cada Tribunal e o Conselho Nacional de Justiça, porém generalizar e colocar a opinião pública contra o Judiciário enfraquece não só os magistrados, mas também a advocacia, logo o Estado Democrático de Direito.
Estou trabalhando em Belém na Justiça do Trabalho desde junho/2002, após ficar de 1995 a maio/2002 em diversas Comarcas fora da sede do Tribunal, iniciei em Conceição do Araguaia, depois Macapá e por último em Abaetetuba.
Na Justiça do Trabalho não temos residência; no máximo, no interior, temos um quatro para se dormir, geralmente em péssimas condições. Por muito menos, condenamos empresas quando submetem seus trabalhadores a situações degradantes.
Quando cheguei a Conceição do Araguaia, sequer alojamento existia e a ajuda de custo que era fornecida, mal dava para a nossa instalação. Durante todo o tempo que estive fora de Belém, indo de uma Comarca para outra não existe qualquer subsídio para as remoções, assim a cada novo posto de trabalho, tinha que arcar com recursos próprios a minha instalação.
Tanto em Macapá quanto em Abaetetuba não havia acesso à internet e paguei do meu bolso acesso a provedor.
Além disso, não temos livros adequados e como é necessário estudo para os processos, compramos livros e repertórios de jurisprudência para atualização.
Na Justiça do Trabalho o ritmo é alucinante. Cheguei a fazer em Macapá, sem juiz auxiliar, mais de 40 audiências por dia, em que se tenta a conciliação, e frustrada, temos que receber a defesa do empregador, seus documentos, ouvir as partes e à época cada um podia levar três testemunhas.
Geralmente, deixo para as sextas-feiras a marcação de processos mais complexos, com grande quantidade de pessoas a serem ouvidas, para evitar que as partes e os advogados tenham várias audiências. Os processos mais complexos, quer para sentença ou para resolução de inúmeros incidentes, pois a nossa legislação é farta de possibilidades de impugnação, são levados para a nossa residência, pois durante o expediente é impossível se dar a devida atenção aos mesmos.
Durante o expediente, temos que fazer as audiências e atender as partes e os advogados. Além disso, existem inúmeras outras pendências, o juiz é gestor do seu pessoal, cuida da parte administrativa, faz relatórios a diversos órgãos, tenta equacionar a falta de material e de equipamentos adequados. Esses serviços não aparecem ao grande público, mas consumem nossa energia.
Muitas das nossas atividades são realizadas em casa, aos finais de semana e nas férias. Após mais de 16 anos na magistratura, ainda não tive a oportunidade de gozar por completo as férias, pois utilizo parte das mesmas para adiantar o serviço. Não me queixo, abracei a carreira por vontade e creio ser fundamental estar com o serviço em dia.
Estou inclusive de férias, mas trabalhando, sem qualquer compensação. Como é indispensável o uso da internet, deixo as consultas e as solicitações on-line para fazer a noite em casa, quando a conexão é melhor.
Sou ainda gestor dos sistemas do Bacen, logo tenho que manter todos os magistrados e os servidores indicados no sistema, cadastrando, alterando cadastros, senhas de acesso e outras funcionalidades e esse serviço não tem como ser feito durante o expediente, pois além da conexão no Tribunal ser ruim, não há tempo disponível.
Temos ainda os plantões, aos finais de semana, feriados e recesso forense, sem qualquer retribuição pecuniária, logo o juiz é juiz todo o dia, estando trabalhando no Fórum, em casa, nos finais de semana, nas férias, no recesso. É importante que produza muito, com qualidade e atenção, não apenas se torne um marcador de ponto, de horário. Duvido que o serviço Judiciário melhore se o magistrado tiver que cumprir como quer a OAB, um expediente de oito horas por dia, quando houver dia útil. Só esse tempo não é suficiente.
Tem dias que se tem que resolver problemas de pessoal e outros, enfim de gestão, fazendo com que o juiz fique no Fórum cinco ou seis horas. Outros dias, ficamos dez ou doze horas no gabinete.
Devemos buscar a produtividade eficiente do serviço, não um servidor com horário estipulado a cumprir. Queremos um burocrata com horário? Ou um juiz que produz, sentencia rápido, resolve os processos, dinamiza seu serviço?
Questões estruturantes e vitais para o bom funcionamento da Justiça devem ser enfrentadas e para isso a OAB é um parceiro ideal. Reunidos em São Paulo, o CNJ e os Presidentes de todos os Tribunais estabeleceram dez metas para 2010.
Uma meta que não foi aprovada pelos presentes à reunião, previa se adequar força de trabalho para que 75% dos servidores atuem em sua atividade-fim. Há muitos servidores em segundo grau e poucos em primeiro grau.
Espero que o bom senso prevaleça e as partes interessadas, juízes e advogados voltem ao diálogo e estabeleçam uma pauta conjunta de luta pela melhoria do Judiciário.
Para mim, a OAB deve parar de fazer esse espetáculo na mídia e as associações de juízes deixarem a ameaça de ações contra os advogados dirigentes ou qualquer tipo de retaliação.
Lanço alguns pontos que podem servir de convergência:
a) Adequação da força de trabalho, ampliando o número de servidores nas Varas, nas atividades-fim.
b) Mais Varas no interior, e melhores equipamentos para o serviço.
c) Melhor acesso a internet.
d) Treinamento de magistrados e advogados para a conciliação, não para o litígio, para a briga judicial.
e) União para se combater os que usam do processo para protelar o cumprimento das decisões, com as devidas sanções legais previstas.
f) Combate as lides simuladas e ao agenciamento de clientes nas portas dos Tribunais pelos advogados.
g) Garantia da competência trabalhista firmada pela Emenda Constitucional 45 que tem sido tolhida pelo STJ e pelo STF.
h) Intensificação da campanha FICHA LIMPA, com o objetivo de extirpar da vida pública os maus políticos.
i) Forma de acesso aos Tribunais Superiores e ao Supremo, pois atualmente todos são escolhidos pelo Presidente da República, sem qualquer critério definido de experiência e competência.
j) Mandato para os advogados que chegam aos Tribunais pelo quinto constitucional, pois possibilita a renovação dos quadros da advocacia nas Cortes de Justiça.
Claro que existem outros pontos, pois os problemas se acumulam por décadas e só serão equacionados quando o bom senso for restabelecido e juízes e advogados forem parceiros, não inimigos.
Saudações.
CARLOS ZAHLOUTH JR.
Juiz do Trabalho
Tudo bem. Concordo plenamente com o posto. No entanto, joga para baixo do tapete esse problema dos Juízes. A solução sugerida (corregedoria) não funciona na prática. A realidade é outra.
ResponderExcluirDr.Zalouth tem razão. A relação entre a advocacia e juízes tem sido na maioria das vezes respeitosa tanto na capital quanto no interior, talvez seja isso que tenha despertado a justa reação da magistratura nos termos veiculados na mídia. Tem advogado conselheiro da OAB/pa que tem dito que não concorda com a atitude de seu presidente atual e que foi apanhado de surpresa com a atitude..
ResponderExcluirNem se compara a estrutura da justiça do trabalho com a comum estadual, o doutor zalouth tá falando de barriga cheia!
ResponderExcluirAcho que o acesso à segunda instância deveria também ser somente por meio de concurso, neste se submetendo, inclusive, os magistrados que estão na primeira instância, pois esse negócio de alcançar o desembaro pela antiguidade é parece regra militar.
ResponderExcluirO sujeito não se esforça e chega lá por tempo de serviço! É dose.
Tentar comparar a moderna e excelente justiça do trabalho com a quase parando e caduca justiça estadual comum é COVARDIA.
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