quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
O homem mais feliz do mundo
Eu ainda era adolescente quando conheci o homem mais feliz do mundo. Foi nas minhas andanças de menino sem lar que o encontrei. Era o ano de 1980, nunca esqueço. Um amigo, penalizado em ver sem teto, jurou-me que encontraria um abrigo antes do anoitecer. E cumpriu.
O Sol ainda brilhava forte nas tardes quentes de Macapá, quando meu amigo chegou com a boa nova: a casa estava arrumada! Como na história do cego de Jericó, de um salto, fui com ele conhecer o lugar onde passaria momentos inesquecíveis. Nas mãos, duas peças de roupa, uma Bíblia e um violão surrado.
A casa ficava na periferia da cidade. Naqueles tempos, Buritizal era sinônimo de bairro distante em Macapá. Ficava numa travessa que corta a avenida Santos Dumont. Bem no alto da ladeira. Era uma casa de madeira sem pintura, com uma sala comprida e dois quartos laterais. Depois, vinha uma pequena cozinha e um quintal frondoso. Não havia o menor luxo. O telhado era sem forro. O chão, em cimento cru.
Quando meu amigo bateu à porta, duas senhoras vieram me receber. Mãe e filha me saudaram com a alegria de quem reencontra um parente querido. A genitora, na faixa dos sessenta anos, era quem cuidava da mais nova. Esta, uma senhora simpática, com idade de 40 anos, fora vítima de um derrame que a deixara com graves sequelas na locomoção, fala e emoções. Tomava remédio controlado.
Porém, foi quando me convidaram para entrar que encontrei o retrato da mais pura felicidade. Ao fundo da sala, contemplei um homem sentado numa rede. Muleta sobre a única sandália, embalava-se enquanto assobiava uma canção. Era o dono da casa. Uma pessoa como jamais conheci. Ele levantou-se e me abraçou, apoiado pela família. "Seja bem-vindo! Você está em sua casa!" - foi a recepção mais calorosa que tive até hoje.
Eu estava muito impressionado. Todos sorriam e conversavam comigo como se me conhecessem há muito. Em minha alma sedenta de amor, o carinho daquela família me fez esquecer o mundo lá fora. Quando meu amigo se despediu e a porta fechou, pela primeira vez senti-me em um lar. Senti o amor de Deus me abraçar através daquelas almas tão simples.
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“Hoje sei o segredo dessa felicidade. E você também sabe: Deus em nossa vida!”
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Quando o novo dia nasceu, já encontrei o senhor Abdon assentado na rede da sala. Embalando-se como na véspera, cantava um hino alegre. Seus olhos brilhavam. Era como se sentisse o milagre da vida pelos raios de Sol que atravessavam as frestas da parede. Julguei um acontecimento isolado. Mas, enganei-me. Foi assim em todo o tempo que convivemos.
Alguns dias, tínhamos necessidade. Mas a porção que Deus nos dava era recebida com festa. Meio litro de açaí agora era dividido por quatro. Festa! Foi numa dessas ocasiões que vivi meu dia de Esaú - personagem bíblico que trocou a herança por um prato de lentilhas com seu irmão Jacó. Querendo beber um pouquinho mais do manjar da Amazônia, acabei trocando uma Bíblia nova pela porção de açaí da dona da casa, que, propositadamente, deixara a isca na geladeira. Quando perguntei sobre o guardado, ela foi logo brincando: "Rui, você tem duas Bíblias, não é?...". Na verdade, tomei o açaí mais para ela ficar com o presente.
O homem mais feliz do mundo nunca se desesperava. Naquele estado, família doente e pobre, ele passava o dia inteiro cantando e dando graças a Deus no leito que ocupava durante o dia. Conversava com todos. Orava. Sempre bem-humorado. Crente em tudo que é bom. Mesmo quando adoecia, conservava o largo e brilhante sorriso. Eu podia ver Deus sentado na sala. Hoje sei o segredo dessa felicidade. E você também sabe: Deus em nossa vida!
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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)
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