sábado, 3 de janeiro de 2009

Guerra é movida puramente por causas políticas

Por Adrian Hamilton, do "Independent"

Ignore as acusações e contra-acusações de culpa. O bombardeio de Gaza aconteceu porque atendia aos interesses políticos das partes envolvidas.
O ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, o impeliu, a ministra das Relações Exteriores, Tzipi Livni, o aplaudiu, e o primeiro-ministro Ehud Olmert o sancionou porque há uma eleição programada para fevereiro, e o líder da oposição e arquifalcão Binyamin Netanyahu está na dianteira nas sondagens de intenção de voto. Barak, como líder do Partido Trabalhista, e Livni, como líder do partido governista Kadima, estão determinados a ser mais guerreiros que ele.
O timing estava certo, e as circunstâncias, também.
George W. Bush, o presidente americano mais avassaladoramente pró-Israel desde o nascimento do país, ainda estará no poder pelas próximas semanas, antes da posse de um líder novo e menos resolutamente favorável a Israel, em 20 de janeiro.
Ao mesmo tempo, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, também em final de mandato, viu nesta guerra a oportunidade de quebrar de uma vez por todas a espinha de sua oposição, o Hamas, antes de serem realizadas novas eleições. Gaza é o último e desesperado lance de xadrez de três líderes que se encaminham para a porta de saída -Bush, Olmert e Abbas.
E o que dizer do próprio Hamas? É verdade que o grupo errou em seus cálculos ao pôr fim ao cessar-fogo quando o fez e subestimar a ferocidade da resposta israelense. Ele travou um jogo de pombas e falcões com Israel, apostando sua própria população na jogada dos dados. Mas é verdade também que o Hamas tem suas razões políticas para saudar um confronto violento com o inimigo. Quanto mais duro Israel golpeia Gaza, mais enfurecida fica a população do território e mais solidariedade é despertada nos países muçulmanos.
Pode soar como intransigência dizer que centenas de civis morreram puramente no interesse de um grupo de políticos demasiado atentos a suas ambições próprias para levar em conta as consequências. Mas essa é a verdade brutal sobre este conflito.
Do mesmo modo que essa conflagração é essencialmente política, sua solução também precisa ser política.
Apesar de seus esforços para provar o contrário, Israel não é imune à desaprovação do mundo externo. Embora tenha barrado a entrada de qualquer organização de mídia em Gaza, vivemos no mundo moderno dos celulares e da internet, e as notícias não podem ser caladas.
Barak e Livni devem saber, graças à experiência no Líbano, que ações desse tipo só funcionam se produzem resultados rápidos. Nos primeiros dias, eles podiam nutrir a esperança de superar Netanyahu em intransigência. Mas depois de uma semana sem uma vitória clara, eles começarão a parecer ineficazes. Em algum momento, eles podem muito bem considerar que é do seu interesse declarar vitória e aceitar um cessar-fogo.
A melhor coisa que o mundo externo pode fazer para ajudar é parar de fazer o jogo político. A crise na faixa de Gaza começou e foi imensuravelmente agravada pela maneira como Washington e Londres vêm trabalhando para reforçar Mahmoud Abbas e solapar o Hamas.
O Egito e os chamados Estados árabes moderados, além do quarteto, representado por Tony Blair, foram sugados para dentro de uma política de isolamento proposital de Gaza e enfraquecimento do Hamas. Essa política não funcionou e não funcionará. O Hamas foi democraticamente eleito e, quanto mais isolado, mais é reforçada sua reivindicação de representar a única voz palestina independente. Barack Obama não vai reverter essa política do dia para a noite. Ele não pode, em vista do compromisso dos EUA com Israel, e é inútil esperar que o faça. Mas ele pode influenciar a opinião pública. Uma palavra sua de condenação ao recurso à violência como arma política seria o suficiente para avisar os líderes e o eleitorado israelense de que uma abordagem mais justa está a caminho.
A crise em Gaza não será solucionada enquanto os palestinos não se entenderem. Mas sua única chance de fazê-lo depende de Washington, Londres e o quarteto pararem de tomar partido e de Israel parar de fazer política por meio da guerra.

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Artigo disponível na “Folha de S.Paulo”

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