domingo, 9 de novembro de 2008

“As coisas não mudam." Não mudam mesmo.

Do fotógrafo Pedro Martinelli – que lançou Gente x Mato (capa aí ao lado) -, em depoimento que está na nova edição de Veja:

As coisas não mudam
"Na primeira vez em que fui ao mercado de Belém, o Ver-o-Peso, a maré tinha subido e um lixo de cheiro insuportável boiava na entrada do lugar. Isso foi há trinta anos e eu nunca mais parei de ir lá. Pois há trinta anos eu continuo vendo a mesma cena: quando a maré sobe, o mesmo lixo bóia do mesmo jeito no mesmo lugar. Em Manaus é igual: há décadas, o esgoto é jogado diretamente no Rio Negro, na frente da cidade. A diferença é que essa sujeira está andando cada vez mais para dentro: hoje, as comunidades do interior são todas um lixo só – é pacotinho de batata frita e embalagem de alumínio por todo canto. Então, não adianta o sujeito que mora em São Paulo ficar falando de emissão de carbono, sustentabilidade, manejo sustentável. Na prática, as coisas não mudam."


Mais uma:

Turismo na Amazônia
"O turismo na Amazônia não existe. Existe o turismo internacional, mas turismo brasileiro não tem. E não tem por dois motivos: o primeiro é que é mais fácil você ir para a Europa do que ir para Manaus. Quando você planeja uma viagem para a Europa, sabe qual será o seu custo: quanto vai custar o táxi, o trem, o almoço. Você consegue ver pela internet a foto do quarto onde vai ficar. Na Amazônia, não tem nada disso. O turista viaja no escuro – e o risco de ele se decepcionar, de o colocarem para pescar piranha, é muito grande. O segundo motivo é que muitos brasileiros têm uma expectativa errada em relação à Amazônia. Querem ir para ver onça, arara, vitória-régia e índio pelado. O problema é que na Amazônia você não vê bicho nunca: pode navegar dias sem enxergar nem um passarinho. E também não vai ver índio, a não ser que vá para o Xingu. Seria muito melhor se o sujeito fosse para lá a fim de ver o que é um rio com 8 quilômetros de largura, navegar por esse rio e ter uma idéia das dimensões do país que ele habita."


E mais outra:

O jaraqui
"Quando eu penso na Amazônia, eu não penso do ponto de vista de um ambientalista, que eu não sou. Não penso nela como ‘pulmão do mundo’, não penso no buraco de ozônio, nada disso. Eu penso é no jaraqui. O jaraqui é um peixinho que dá em todo canto lá, é o que custa mais barato e é maravilhoso. Comer um jaraqui fresquinho, nascido num rio limpo, que corre no meio de uma mata nativa não tem nada a ver com comer um salmão que fica vermelho porque ingeriu betacaroteno, ou uma truta salmonada, criada em cativeiro, que encheram de ração para ficar cor-de-rosa. Comer esse jaraqui na beira do lago, fazer um fogo com a lenha do mato, defumá-lo com a fumaça das folhas desse mato... Não tem alta gastronomia que se compare. Então, para mim, preservar o rio e a mata significa preservar isso aí. E a minha sensação de perda é quando eu penso que o jaraqui vai acabar, o tambaqui vai acabar, o tucunaré de 8 quilos vai acabar e o brasileiro perdeu a chance de conhecer tudo isso."


É verdade.
As coisas não mudam.
Não muda o “cheiro insuportável” do Ver-o-Peso.
Não mudam o lixo, a sujeira, a imundície.
Não muda o desprezo pela cidade.
Não muda o discurso vazio e a balela de que “precisamos promover o turismo” na Amazônia.
Não muda a demagogia.
Não muda a percepção salvadora, apocalíptica que a Amazônia desperta.
Não muda a mania de buscarem-se mágicas para salvar o meio ambiente e a Amazônia da sanha destruidora.
Não muda o foco sobre as “grande preocupações” em relação à Amazônia, como a de preservar-lhe a condição de “pulmão do mundo”, enquanto se esquecem de garantir que o jaraquizinho sobreviva, porque é alimento para o ribeirinho.
Aliás, é alimento para o ribeirinho e para fotógrafos que freqüentam, com paixão, as áreas ribeirinhas.
É isso.
As coisas não mudam mesmo.
E muitas delas, quando mudam, é para ficar do mesmo jeito que antes.

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