Na FOLHA DE S.PAULO:
Considerado por representantes da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e da Comissão dos Mortos e Desaparecidos da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República como um dos mais precisos a respeito da repressão militar à guerrilha do Araguaia, o depoimento do mateiro Abel Honorato de Jesus trouxe informações novas a respeito da morte de ao menos dez guerrilheiros.
Jesus, conhecido como Seu Abelinho, 63, contou anteontem em São Domingos do Araguaia (a 540 km de Belém) ter assistido ao fuzilamento de guerrilheiros rurais do PC do B por militares do Exército, Aeronáutica e Marinha que, de 1972 a 1975, em três investidas, ocuparam a região do Araguaia (sudeste do Pará, norte do Tocantins e sul do Maranhão).
Lavrador e mateiro, disse que viu o guerrilheiro Peri (Pedro Alexandrino de Oliveira Filho) ser morto em uma rede por pára-quedistas do Exército. "Ele estava deitado numa rede, doente, na grota da Lima. Mataram assim mesmo, metralharam ele", contou Jesus. O corpo de Peri nunca apareceu.
Estima-se que o número de guerrilheiros e simpatizantes no Araguaia pode ter se aproximado de cem, dos quais 79 ainda estão desaparecidos.
A Comissão de Anistia passou os últimos dias 25 e 26 em São Domingos interrogando moradores que viveram à época do que, na região, chamam de "guerra". Há 240 pessoas no Araguaia que entraram com processo em busca da indenização prevista pela lei federal 10.559/2002. Alegam ter sido presas e torturadas.
Jesus contou que os corpos de Peri e de quatro guerrilheiros mortos dias antes em uma clareira na selva foram levados pelo helicóptero militar apelidado de "sapão".
Outra morte que afirmou ter presenciado, na condição de guia dos militares, foi a de Paulo Rodrigues. Ao ser atacado, o guerrilheiro estava fazendo beiju -alimento típico da terra. Ainda tentou correr, mas foi baleado, disse o mateiro. "O corpo foi levado em uma rede até uma farinheira num lugar pertinho do Peixinho [lavrador que morava na área]", disse.
Ainda segundo ele, o guerrilheiro Simão (Cilon Cunha Brun) foi morto mesmo depois de ter se rendido. "O Simão se entregou", disse a respeito do militante do PC do B até hoje desaparecido. Já Jana Moroni Barroso não teria tido tempo para se entregar. "Ela estava quieta, metralharam, racharam ela. A morte dela foi sofrida. Ela não estava fugindo", disse.
O depoimento do mateiro foi observado do lado de fora da sala por José Maria Alves da Silva, o Catingueiro, apontado na região como informante, ainda hoje, de militares que atuaram no combate à guerrilha.
Abordado pela Folha, Catingueiro disse que estava ali porque também reivindica a indenização. A Comissão de Anistia e a Associação dos Torturados do Araguaia negam que ele tenha entrado com processo.
Tido como homem de confiança de Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, major reformado do Exército e líder na luta contra a guerrilha, Catingueiro vestia uma camisa que trazia nas costas: "Administração Curió - Promovendo o Lazer em Serra Pelada".
Para desmoralizar de vez os critérios de avaliação das indenizações aos vitimados pelos anos de chumbo, só falta o tal Curió também pedir a sua parte no bolsa-ditadura.
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