quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Deixem o desembargador em paz

As administração de Remo ou Paysandu não devem constranger magistrados a fazer o que não devem e nem podem fazer

O desembargador Eliziário Bentes, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, é remista de carteirinha.
Aliás, é remista de carteirinha, de radinho de pilha, de boné e de camisa do Remo. É assim, como um torcedor comum, que comparece aos estádios de Belém, inclusive ao Baenão, mesmo com todo aquele desconforto.
Eliziário ostenta esse traje com o mesmo orgulho com que se declara obidense. Em sua pequena biografia disponível no site do Tribunal, Óbidos aparece lá em caixa alta (veja aqui), para ninguém ter dúvidas de que suas origens estão nas barrancas do Amazonas.
Eliziário é remista, mas é também magistrado. E magistrados devem ter antes e acima de tudo bom senso. Do contrário, terão o saber, mas não terão sensibilidade para julgar.
O desembargador, em resumo, é remista, é magistrado e tem sensibilidade. Por isso é que tem rechaçado proposta de advogados de Remo e Paysandu, que suplicam por sua interferência para que sejam suspensos os bloqueios que afetam as rendas dos dois clubes nos dias em que disputam partidas oficiais.

A justificação do insucesso
“Eles [cartolas, advogados, seja lá quem for] utilizam esse argumento dos ‘bloqueios’ para justificar o insucesso das administrações”, disse o desembargador, em declaração que O LIBERAL publicou no último domingo.
Essa, até agora, é a frase do ano no âmbito do futebol do Pará. É uma frase, notem vocês, que nada tem a ver com futebol, mas com ações, processos, créditos sob penhora, dívidas trabalhistas, filigranas jurídicas etc. Tudo a ver com o futebol do Pará. Tudo a ver com a bagunça, com a desorganização. Tudo.
A proposta que os clubes têm feito ao presidente do TRT da 8ª Região, para que interfira em processos que tramitam na instância de primeiro grau, deve ser rechaçada porque configura um despropósito, porque é incabível e disparatada. Chega a ser até uma descortesia para com o próprio desembargador.
Por quê? Porque juízes, quando no estrito exercício de sua jurisdição, não guardam a menor, a mais remota subordinação uns em relação aos outros. O juiz do menor município do Pará, quando impulsiona seus processos, quando julga e pratica tantos outros atos jurisdicionais tem a mesmíssima e autoridade que a ministra-presidente do Supremo Tribunal Federal quando faz o mesmo com feitos sob sua responsabilidade direta.
Um presidente de um tribunal qualquer que chamasse um juiz ao seu gabinete para ponderar-lhe que deveria fazer assim ou assado – que deveria bloquear ou desbloquear rendas, por exemplo – daria margem a que o juiz, na mesma hora, lhe desse, digamos, algumas sugestões sobre como deveria o presidente deveria proceder na apreciação de processos que correm em grau de recurso.
Seria cabível isso? É claro que não. Nenhum magistrado pode e nem deve meter o bedelho no que o outro faz ou deixa de fazer quando no exercício indelegável, exclusivo e único de sua jurisdição. Esse é um princípio básico, elementar, primário, comezinho. É tão básico como saber-se que o sol nasce a cada dia seguinte.

Negociação entre as partes é cabível
O que é cabível, o que é razoável, o que é correto e aceitável é uma negociação dos clubes com as partes que demandam contra eles em juízo. Isso sim, é natural, corriqueiro, viável e transparente. Sentam-se as partes, sob a mediação de um juiz, e negociam. Uma cede aqui, outra ali, uma ganha aqui, outra ali até chegar-se a um acordo. Se houver o acordo, o juiz homologa no ato. Pronto. Acabou.
Por que não fazem isso as administrações de Remo e Paysandu? Porque descumprem acordos. Porque não cumprem o que escrevem. Os advogados vão ao juiz, acertam de um jeito e no próximo mês já não existe dinheiro em caixa para honrar o que foi acertado.
Só para vocês terem um exemplo da vergonha que têm sido Remo e Paysandu também em suas disputas judiciais, leiam aqui este trecho da matéria de O LIBERAL:

O histórico de Remo e Paysandu também não ajuda muito. Em 2007, as agremiações fizeram acordo com a Justiça do Trabalho para suspender os bloqueios de bens dos times. A proposta dos advogados era manter depósitos mensais de R$ 40 mil e R$ 30 mil para quitar as dívidas trabalhistas dos dois clubes. Mas, de acordo com Eliziário Bentes, os cartolas remistas e bicolores não honraram o compromisso e deixaram de pagar.

Querem mais? Leiam mais:

“Ano passado, a corregedora [do TRT] se esforçou e conseguiu que Remo e Paysandu passassem a pagar uma determinada quantia. Só que os clubes não cumpriram. E olha que eram valores pequenos”, conta o desembargador. A corregedora do TRT, desembargadora Pastora Leal, ficou desapontada com os clubes e, segundo Bentes, já afirmou que não pretende repetir o acordo.

Leiam mais aqui, só este trecho, que conclui com chave de ouro os outros dois aí de cima:

O advogado azulino [André Meira] lembra que os acordos feitos com os autores dos processos geram multas elevadas. “Essa seria a solução ideal, mas alguns acordos que não são cumpridos geram multas que, depois, viram outro bloqueio. No fim das contas, vira uma bola de neve”, explica André Meira.

Pior do que na terceira divisão
Isso aí que dr. André Meira disse já não é uma declaração. É uma confissão de culpa.

Remo e Paysandu, vê-se logo, são uma vergonha nos tribunais. Se nos gramados estão na terceira divisão, nos tribunais fazem parte da quinta, senão da sexta, sétima ou oitava divisão.
Na Justiça do Trabalho do Pará, há mais de 200 processos trabalhistas movidos contra os dois maiores clubes do Pará. Dá para acreditar nisso? Não dá. Dá para acreditar que se pode resolver esse nó sem o mínimo de seriedade? É claro que não. Dá para aceitar acordo sem multa para a parte que inadimplir? Não dá, igualmente.
É por tudo isso que advogados de Remo e Paysandu vão atazanar a vida do presidente do TRT. Deviam deixá-lo em paz. Não é porque o presidente do Tribunal é desportista que devem constrangê-lo com propostas incabíveis, como esta de interferir em jurisdições de colegas seus. Isso seria falta grave. Tão grave como aquelas que merecem cartão vermelho de juiz.

2 comentários:

  1. Esse estado de penúria e desestruturação dos dois maiores clubes paraenses nos leva a triste constatação de que:
    - as torcidas são de Primeira
    Boas equipes e bons resultados sempre levaram e levarão a estádios lotados.

    - as estruturas são de Segunda (e olhe lá).
    Como admitir que nenhum clube não tenha nem o básico?
    Sala de musculação com equipamentos novos; departamento médico com profissionais (e não com colaboradores) e equipamentos para exames e recuperação rápida de atletas; nutricionista , alimentação e suplementos adequados.
    Será que é querer muito para times que "se acham" profissionais?

    - dirigentes de TERCEIRA.
    Presidentes, diretores e conselheiros que não tem nenhum compromisso.
    Patrimônio caindo aos pedaços,nem ao menos manutenção há várias e várias administrações.
    Uns, prometem o que não podem cumprir.Outros que assistem passivamente (ou se omitem) esquecendo suas responsabilidades de fiscalizar.
    Contratação de bondes, pernas-de-pau e "indicados" incham as folhas de pagamentos irresponsavelmente.
    E a torrente de dívidas e ações trabalhistas são, sempre, o resultado final de cada administração.
    E ainda tem os cartolas que fazem do cargo (ou tentam) trampolin para aventuras eleitoreiras.

    Finalmente, correndo por fora, as perniciosas e famigeradas "torcidas organizadas" que não necessitam de comentários.
    São bandidos e sádicos travestidos de torcedores.
    Nem ingresso pagam.
    Onde ajudam? em nada, ao contrário, afugentam os torcedores e familiares dos estádios.

    Esse é, infelizmente, o triste cenário do futebol dos chamados "grandes" do Pará.

    ResponderExcluir
  2. Anônimo,
    Você disse tudo. Absolutamente tudo.
    Vou destacar seu comentário na ribalta mais tarde.
    Abs.

    ResponderExcluir