quarta-feira, 5 de junho de 2013

As agruras de uma expedição


Não por acaso, muitos personagens que fazem história estão muitas vezes excluídos – ou quase excluídos – de nossos livros. Há vários países, nações ou regiões da qual mal ouvimos falar e pouco sabemos de suas histórias, inclusive aquelas que se passaram, digamos assim, debaixo do nosso nariz. Como o conquistador do Amazonas, o espanhol Francisco Orellana, que, de erro em erro, cruzou o rio mais caudaloso do mundo.
Quando Orellana foi convidado a se unir a uma grande expedição comandada por Gonzalo Pizarro, irmão do conquistador Francisco Pizarro, que derrotara os Incas anos antes, imaginava que sua hora de fazer fortuna havia chegado. Mal poderia imaginar que terminaria a aventura como o primeiro europeu (e possivelmente o primeiro humano) a atravessar todo o Rio Amazonas, dos Andes ao Atlântico. Orellana chegou à América em 1527, aos 16 anos, e estava no grupo que derrotou o Imperador Atahualpa em Cusco, no Peru. Perdeu um olho na batalha. Juntou-se a Gonzalo aos 21.
A expedição tinha como objetivo encontrar El Dorado, o mítico ser que se vestia de ouro em pó e se banhava toda noite na mesma lagoa. Se não fosse possível, havia a chance de encontrar a Terra da Canela, um tipo de especiaria cara que vinha da Ásia para a Europa. Na América do Sul, canela era o nome dado pelos espanhóis ao inimigo, uma espécie de pimenta doce, usado com fins medicinais.
No início de 1541, Gonzalo montou sua expedição. O grupo deixou Quito no fim de fevereiro. Orellana perdeu a partida. Foi seu primeiro equívoco. Percorreu 320 quilômetros de Guaiaquil a Quito e, quando chegou, o grupo de Gonzalo havia partido havia tempo. As expedições atravessaram os Andes até caírem numa floresta fechada. As duas colunas se reuniram em Zumaco, a 180 quilômetros de Quito. Orellana, com apenas 23 soldados, havia sido atacado por índios hostis durante todo o trajeto e ao chegar foi nomeado tenente-general, o segundo em comando.
Ademais, tinha gente querendo se ver livre dos espanhóis e inventaram que as terras ricas estavam a leste e habitadas por grandes tribos. E eles acreditaram. Um grupo escalado para reconhecimento retornou dizendo que apenas encontrara um grande rio. Construíram um grande barco e seguiram pelo rio. A comida, porém, começou a escassear durante os trabalhos. Haviam se passado dez meses do início da aventura. No Natal de 1541, sem encontrar El Dorado, a Terra da Canela ou tribos ricas, com fome e passando privações, Gonzaga e Orellana decidiram seguir em frente em busca de comida.
Os dois nunca mais se encontraram. Orellana seguiu em frente e nunca mais voltou – ganhou fama de traidor. Gonzalo jamais o perdoou por isso. Orellana comandou um grupo de 59 homens e desceu rio abaixo. A correnteza impedia que tentassem voltar – e o que se viu foi uma viagem espetacular, por uma região nunca antes observada por europeus. No fim da primeira semana, o grupo comia “couro de animais, trapos e solas de seus sapatos cozidos com ervas”, no relato do frade Gaspar de Carvajal, cujo diário é o único documento escrito da epopeia. No dia 24 de abril, Orellana e seus homens zarparam em novo barco. Fizeram amizades com tribos ribeirinhas e Orellana resolveu bater em retirada.
No dia 3 de junho, encontraram o Rio Negro (onde hoje está a cidade de Manaus). Em 8 de agosto, saíram finalmente do grande rio. Ao voltar para a Espanha, Orellana procurou o rei em busca de apoio para se apossar da região amazônica. Essa exploração espanhola de Orellana foi considerada um fracasso. Os portugueses chegaram ao Amazonas vindos do Maranhão. Em 1621, 80 anos depois da expedição de Orellana foi criada a província do Maranhão e Grão- Pará. Cinco anos antes, o capitão português André Pereira fundou o Forte do Presépio, onde hoje está Belém.

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SERGIO BARRA é médico e professor.
sergiobarra9@gmail.com

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