sábado, 27 de fevereiro de 2010

Morte em miniatura


A imortalidade do homem voltou às manchetes de revistas mundo afora. Evoluído, o homem do século XXI já não pensa como os velhos faraós. Nada de construir túmulos suntuosos e preparar a primeira ceia pós-morte. Muito menos ocupar tempo demais com técnicas de conservação de cadáveres. Não. A ideia da vez é tratar a própria máquina antes que ela pare, ou melhor, para que o corpo humano não pare antes dos cento e vinte anos. Pelo menos.
Realmente, morte é o assunto que nunca sai de moda. Não sai porque todo dia tem gente nova chegando ao planeta. E toda hora tem uma turma se despedindo de viagem, enquanto outros vão se amontoando na fila de embarque. Fila, aliás, que sempre é surpreendida pelos "furões", camaradas que se apressam muito, e viajam cedo, sem levar em conta direito de precedência, prioridade, estatísticas e outras formas comuns de contarmos o tempo.
Mas, será bom o homem viver tanto? Mesmo que esse "congelamento" da imagem acontecesse nos 20, 40 ou 70 anos seria difícil. Jovem quer trabalhar, construir, casar; na meia-idade, o homem está no auge, colhendo os primeiros frutos da correria. Depois dos sessenta, a idade já diz, "se senta", a marcha está reduzindo e a gente (incluo-me por solidariedade!) quer mais um pouco de sossego. Mesmo que tivéssemos um mix, não daria: imagine um senhor de 70 anos, vivendo com a cabeça de um garoto de 20 e com o ritmo da meia-idade. Complicado, não é?
Digamos, porém, que a ciência nos conservasse, em corpo e mente, com 70 anos de idade. Aí, completássemos 80, tendo a mesma cara, as mesmas ideias. 90: igual. 100: não mudou nada. Penso que alguns iriam rezar para que acabasse logo essa interminável prorrogação. Pois, mesmo as coisas que refutamos boas, nos cansam também. Creio que alguns velhinhos de 120 anos fariam uma festa para celebrar a mudança. Até que enfim! - diriam alguns.
Visitando enfermos, observo que o maior problema nem sempre é a doença. O problema é o medo da morte. Por isso, geralmente antes de orar para que Deus sare, converso com doente sobre a morte. Por que faço isso? Porque já perdi muito tempo orando por gente que morreu. Se não morreu daquele mal, morreu depois. Até Lázaro, que Jesus ressuscitou, morreu de novo. Animo logo o crente com essa história. Sério! Tento logo resolver o grande problema. Até porque depois que o camarada se levantar do leito, será difícil ele ter tempo para esse tipo de papo. Hora boa é quando o homem está quebrantado. Depois ficamos tão valentes!
A morte é um assunto que todos devemos resolver logo na nossa cabeça. E o tempo é agora, claro. Se políticos fizessem isso, talvez deixassem de meter a mão no que não é deles. Respeitassem mais seus contemporâneos. Mas, vamos deixar essa turma com Deus. Ou não.
Para não temer a morte, pense que todos nós morremos diariamente. Isso mesmo. O sono é a morte em miniatura. Exatamente assim é a vida: nascemos, vivemos o apogeu do meio-dia e temos nosso ocaso. E, quando dormimos, morremos. Não? Quem tem certeza que vai acordar no dia seguinte? Ninguém, não é mesmo? Por isso, Jesus disse que devemos viver um dia de cada vez. Que basta a cada 24 horas o seu mal.
Deus dividiu nossa vida em dia e noite para que vivamos cada fatia. Em estado de vigília, corremos e gritamos. Porém, quando o Sol se esconde, nosso cérebro dispara a mensagem fatal: "a hora de dormir se aproxima!" Não tem valente. Pobre, velho; rico, novo: todos dormem, ou melhor, dormimos. Se os aviões falassem, contariam cada história... Todos dormiremos, diz a Bíblia. E viveremos para sempre. Como? Conversaremos. Temos tempo.

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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

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